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Entre a Morte e a vida

  • Foto do escritor: Renata Cantanhêde
    Renata Cantanhêde
  • 15 de jul.
  • 2 min de leitura

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Por Renata Cantanhêde



Uma escritora que não escreve. Uma cantora que não canta. Uma desenhista que não desenha. Uma mãe que não vê o filho. Uma analista que não analisa. Uma esposa que não encontra o marido. A dona de uma casa abandonada. A amiga que não sabe dos amigos.



O tempo implacável marcando as horas que ela nem sente. Levanta as 5 e volta as 23. Todos os dias. Agora não posso, tenho que. Tenho que estudar, tenho que trabalhar, tenho que pagar a vida que escolhi.



Mas que vida? Essa que não conseguia viver. Sobreviveu mais um dia. Pega o óleo de lavanda para colocar no travesseiro. Não está bem. Dormiu, não deu tempo de sentir. No dia seguinte saiu às pressas, eram 7h. Nem comeu. Enquanto dirigia, olhou no espelho quando o pincel caiu. Não deu tempo, foi tudo tão rápido. Hoje fez 22 anos que subiu o meio fio, a árvore, o freio... Morreu.



O alarme tocava mais uma vez. Eram 5h da manhã, olhou para o lado e agradeceu por ver o filho e o marido. Sentou-se na beira da cama e pediu a Deus por proteção. Conversou num grupo de mulheres, organizou a mesa para refeição, escolheu a roupa pelo que fazia sentido naquele dia. Voltou cedo, colocou uns pães de queijo para assar, riu do filho que agora se esfregava nela como um gato ronronando. Lembrou do livro que estava lendo e ficou no trabalho. Esqueceu. Jantaram as 18. Saíram para a aula. Sentiu o olhar dele, quente, como a manta azul da noite fria e chuvosa.



Chegou o dia. Estava todo mundo esperando. Subiu ao palco. Era tudo dela, finalmente. As vozes que calaram agora se erguiam. Cantou com a voz do vento, desenhava histórias que antes só existiam no papel do coração. Amou como se não houvesse amanhã — porque hoje era tudo que tinha. Quando terminou, as palmas na plateia eram como o abraço de Deus.



Sorriu. E, pela primeira vez, reconheceu-se viva.


 
 
 

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